segunda-feira, 16 de junho de 2008

Conto:O Bilhete Final De Um Artista Consumido


    Esta narração que segue, foi legado por um jovem talentoso sorvido na angústia da elaboração de seu projeto artístico, que era almejado por ele, ser alçado à reprodução maior e perfeita de suas íntimas inspirações profundamente caóticas. Reconhecendo o tremendo esforço exigido na atividade criadora de extirpação e agrupamento coerente em matéria final que tragou suas energias aos limites da possibilidade de exteriorizar as inspirações vindas do labor criativo em toda plenitude potencial. Em todo caso, transmitiu o seguinte relato:

As horas, que ao restante da humanidade é destinado o entorpecer sensível da alma em condição de repouso com o fito de pretender recuperar as energias vitais a fim de conseguir permanecer contínuo, no seguinte dia, o convívio rotineiro, passo imerso em esforços psíquicos que a cada instante passado vai esvaindo minhas faculdades mentais e potencias físicas. Isso já perdura há dias... 

A concentração, por vezes, torna-se um martírio desgastante que me renega à frustração que não consigo evitar.

Como que uma vastidão de vontades impossíveis de serem expressas convivesse de forma cada vez menos suportáveis dentro de meu ente. Mesmo empregando esforços para esquivar-me da angústia de não conseguir atingir seu fim, no final, eles acabam por me prejudicar da mesma maneira: pois na situação que me encontro, não posso dar-me ao luxo de desviar as atenções e energias do projeto que pretendo elaborar. A ele, todos os meus focos devem ser destinados.     

Além da elaboração mental da obra para que ela venha a ser concebida de modo a adquirir contornos concretos e sincrônicos com o que pretendia a priori, devo utilizar de recursos e canais, que possam vir a interagir com os sentidos dos receptores a que pretendo atingir, adequadamente, pretendendo estabelecer uma comunicação precisa entre eu, autor, e os admiradores... Isto é: sentir-me-ei desgostoso caso os escopos de minha idéia inicial não impetrem e atinjam minhas finalidades reais e primeiras.

 Para que minhas interações preliminares sejam bem sucedidas, é necessária a escolha da linguagem adequada ou mesmo a combinação de mais de um modo de expressão. Portanto, o ato de dar à luz uma obra está intrinsecamente atrelado a essa capacidade de utilizar-se de forma concisa e coerente das idéias e da linguagem. Vêem-se aqui os percursos desgastantes a que me submeti na sua elaboração. Compreendendo essa diligência vigorosa que, imperiosa se abate a mim, torna-se inteligível a quem observa meu sofrimento toda essa razão do desgaste e esfalfado que me desampara em lassidão.

Essa manipulação de ferramentas metódicas que exigem maquinações sistemáticas no processo de externar a minha ilustração mental por meio de um exercício de abstracionismo revela-se grande sensação usufruída de tal modo subjetivo, a ponto de ter sua reprodução opulenta em complexidade dificultando e personificando-se em vultoso obstáculo a sua reprodução didática, mesmo que caricatural quando almejo elucidar a quem ler, esses meus registros em verba, toda a minha aflição.

A linguagem é o suporte que fornece corpo á idéia! Essa é a primazia que não pode ser desconsiderada jamais. Isso não posso deixar de estimar!

Levando em consideração esse estágio de entendimento, é inevitável a conclusão de que uma obra só existe ao ser transmitido através de uma linguagem; podendo ela ser oral, escrita, gesticulada, emitida, desenhada... É o canal pelo qual o pensamento se exprime.

A idéia ao se encontrar no estágio embrional de pensamento, permanece limitada às sensações, portanto, sujeitas até mesmo ao esquecimento, caso eu, como o afeiçoado, não lance a cabo seus projetos fieis de efetuação. Essa atitude impetuosa já foi por mim tomada, tomei então, o encargo de optar pelo meio o qual considero conveniente utilizar para dar contornos sólidos à idéia. A partir dessa decisão, iniciei um procedimento de formalização, ao iniciar a construção da estrutura da cria. Esse seria o processo criativo de materialização de um conceito surgido.

 Para encarregar-se de produzir algo coeso, eu deveria valer-se de uma racionalidade matemática na engenharia da elaboração mental; a simples utilização da emoção se revela insuficiente, pois a idéia deve ser encaminhada e cunhada à capacidade construtiva de um corpo coerente. Daí a necessidade de se operar com propriedade as linguagens. Na confecção do construto final, essa habilidade racional é imprescindível...

Nesse ato de plasmar a idéia, minha consciência precisou estar em um alto nível de sensibilidade, para que a concepção mantenha maior proximidade possível do protótipo visualizado no intelecto. A ilustração nascitura carece de toda a engenharia de elaboração na sua confecção definitiva.

É nesse ponto específico que se faz necessário uma perícia no ato de controlar os instrumentos a disposição, realizando todo um rito liturgial na geração do feito. Requerendo tremenda criatividade e inspiração.

A noção e a certeza que ele, o resultado final, deve ser submetido e maleado à mente intelectual, é essencial, pois jamais poderia permitir que a capacidade de criação fosse limitada pelas possibilidades de concebimento.

Essa experiência de criação artística é um processo íntimo, onde devo me encontrar completamente absorvido em minha concentração, de modo que ao deparar-se com o fluido de impressões, ao configurar a imagem de criação no plano real, consiga manter a coerência com meu desejo inicial. Nesse procedimento, envolve-se uma gama de fatores, como a sensibilidade, a técnica, o método, a emoção, a própria razão, que convergem formando a substância última. As próprias convivências e significações de minhas experiências pessoais presenciadas e vividas exercem influência direta.

No momento em que venho a compreender que externei toda a inventividade a qual submeti a obra, enfim, ela pode vir a criar vida própria, tornando-se um organismo vivo que mescla meus próprios valores, opiniões, vivências, cultura, significados emotivos, portanto, uma fiel caracterização da minha persona. A obra produzida torna-se representativa da personalidade do criador e, obviamente, do estado psíquico que se encontrava nas fases de produção, sendo portadora de impressões ocasionais do seu período de desenvolvimento.

Passa aí, a integrar com o sistema secular de registro do patrimônio intelectual e cultural da civilização. Ganhando unidade, a obra vem a encaixar num contexto mais amplo. Ultrapassando o estágio simples de matéria para mutar-se em um consigno de uma mentalidade individual. A minha.

Na obra finalizada, concentra-se uma realidade pessoal, que porta-se de forma sincrônica ou não com a realidade objetiva dos fatos, e, assim, forma um universo que poderá vir a ser autônomo a aquilo que evidentemente é e faz parte.

Mediante a dimensão atmosférica e o estado de animo desgastado a qual estava envolvido, por período de tempo indeterminado, pois, minhas competências já fadigadas não acendiam em entusiasmo, dei-me conta de que já não podia contar com a realização plena que almejava primitivamente.

Acredito que as criaturas humanas vivem para legar algo à humanidade, e não sendo capaz de perfazer brotar o meu objeto pessoal de satisfação, não conseguirei organizar uma conjectura de motivos para me deixar o mínimo confiante e seguro a encarar as desventuras e frustrações que estão por vir na minha existência.

Se para fazer nascer uma cria, uma obra ou um feito, carece e, é requerido uma mentalidade sistemática, fixando a mente, visando à concentração de esforços pessoais, objetivando que essa fixação possa, quem sabe, conduzir à sua concretização, no instante que reconheço-me como incapaz de alcançar essa condição, passo a considerar com seriedade a  série de motivos e razões para dar um fim definitivo aos meus conflitos e afecções psíquicas.

Vida à cria de quem for! À arte do desconhecido que venha a surgir!

Morte a mim, criador. 

2 comentários:

danii disse...

otimo post...
dar vida a criação....
dar corpo ao imaginado por meio da linguagem e dar ao mundo suas idéias em forma concreta..
muito bom!

Rodrigo disse...

Excelente post... =D