quinta-feira, 5 de junho de 2008

Conto: Indagado

(...)então a professora de Cânone literário propôs aos alunos que criassem um conto a partir de um primeiro parágrafo previamente definido; o que resultou de minhas veredas pelas desafiadoras trilhas literárias foi o seguinte:

Indagado                

                            

       No terceiro dia em que dormia no pequeno apartamento de um edifício recém-construído, ouviu os primeiros ruídos. De normal tinha o sono pesado e mesmo depois de despertar levava tempo para se integrar no novo dia, confundindo restos de sono com fragmentos da realidade.

       Ele sempre fora assim. Incerto quanto à realidade, questionava-se com freqüência: O que é real? O que é essa realidade no qual indivíduos interagem, agindo e reagindo ao ambiente?

       Suas propriedades perceptivas sempre foram extremamente excitáveis ao menor estímulo, sua sensibilidade era aguçada para divagações abstratas, no entanto, deixava a desejar quanto à sua opinião sobre as questões concretas da realidade, já que se desenvolvia através de pensamentos complexos e elevadíssimos que lhe fazia tender ao conflito da incerteza, sobre a fronteira do real com o virtual.

       Os amigos mais próximos e até mesmo seus interlocutores ocasionais, notavam essa forma excêntrica que se dava seu raciocínio. A maneira um tanto vaga com que ele costumava lidar com as questões concretas e práticas. Era considerado pelos outros um desvairado; não alienado, mas um divagador reflexivo.

       A inteligência aguçada permitiu-lhe conquistar uma independência financeira, possibilitando adquirir um pequeno apartamento que transmitia a ele um conforto, simplesmente, por poder chamá-lo com absoluta certeza, de seu lar.

       No entanto, todas as noites, na densidão do cume da madrugada, aquele ruído surgia de alguma direção indeterminada. - De alguma realidade paralela? - Poderia ser.

       Ele, sendo tão absorto em introspecções, não conseguia tomar uma posição certa sobre a origem do ruído. Mas lhe incomodava. Acostumado em seus devaneios a sempre caminhar sobre chão instável, fora surpreendido pela força aguda com que o ruído incessante o incomodava.

       Agora ele morava só, não havia ninguém que resolvesse essas questões tangíveis e materiais para ele. Viu-se enfim, obrigado a sobrepujar-se dos questionamentos que tanto lhe absorvia e, encarar a realidade e seus desafios. Não poderia viver  desamparado. Precisava de alguém para poder usá-la como suporte aqui na realidade. Mas agora era apenas ele. Passou a morar sozinho. E talvez, pela primeira vez na vida, algo realmente concreto sondava-lhe a atenção.

       Aquela dúvida estava torturando-lhe os miolos: que ruído era aquele? Não era um sonho, tinha certeza disso.

       Era necessária uma iniciativa, tratando-se de algo real, para ele, era um obstáculo tremendo. Nunca finalizara algo, nunca terminara o que tivera começado. O ruído manifestava-se à noite, mas havia se tornado uma obsessão para ele, passava o dia inteiro pensando no provável motivo.

       Transformou-se numa questão de vida ou morte. Talvez exagerasse. Mas a dúvida lhe cercara cada vez mais. Estava encarcerado. Condenado a tomar uma atitude imediata. Precisava dar um desfecho pois, o som, insistia.

       Naquela noite resolveu que não iria ficar perdendo seu tempo parado ali olhando para a escuridão cegante. Foi com um esforço sobre-humano, mas com grande determinação, que conseguiu se manter lúcido ao ouvir novamente aquela manifestação acústica que causava uma sensação auditiva incômoda e profunda. Não era um sonho, tinha certeza disso.

       Sua expedição particular por entre os cômodos o levava para a cozinha e, à medida que sua investigação avançava, o ruído tornara-se mais forte e presente. Quando chegou à pia de alumínio, ficou convencido que o som vinha dali. Especificamente dos canos. - Seria uma infiltração? - Não tinha como afirmar, mas poderia haver alguma irregularidade naquele sistema de abastecimento.

       Isso tinha lhe tranqüilizado; claro que não havia pensado em nada sobrenatural, mas, a simples sensação de solucionar uma tarefa, lhe deixou intimamente satisfeito. Uma sensação nova para ele, essa de solucionar problemas vulgares do mundo real.  Vanglorioso de sua perspicácia, resolveu ir deitar e entregar-se ao seu costumeiro sono pesado. Não era um sonho; agora tinha certeza absoluta.

       No dia seguinte chamaria um técnico para resolver o empecilho.  

16 comentários:

mijeiderir disse...

Muito bom o texto!!!


abraços


Mijei de Rir - Alegria e diversão!

Jamile Gonçalves disse...

Seria essa uma preliminar ao Matrix?
Ou o provável caminho a ser seguido por Neo se ele tivesse feito outra escolha diante da questão levantada por Morfeu?
Adorei sua crônica, só acho que nesse trecho vc pecou:
"A inteligência aguçada permitiu-lhe conquistar uma dependência financeira"

Conquistar DEPENDÊNCIA ou INdepnedência?
;)

Guilherme SanPer disse...

legal seu texto
vc escreve bem

abraços
http://blogaragem.blogspot.com

Tiago Giardini disse...

Gostei bastante do texto. Acho que toda essa parte de morar sozinho e tudo mais se parece muito com meu status. É realmente meio difícil no começo, mas depois me acostumei.
Bom, tu escreves muito bem. Parabéns!
Abração

O Psicólogo e a Jornalista disse...

Parabéns pelo blog!A leitura é bem agradável.Gostei tb do tópico, reflexões.
Está convidado a visitar o meu!

Jamile Gonçalves disse...

Uhmm
Assista mesmo!
Vc vai perceber a semelhança a qual me referi
:)

Angéllica Santos disse...

noosssa muito bom, descreveu uma ação curta, com muitos detalhes, ainda quero escrever assim! parabens!

Emilio Vieira disse...

éerr, não li não muito grande :D


www.poiszee.blogspot.com

iti disse...

é preciso viver todos os dias, msm que de tudo errado em sua vida..mas é preciso tomar um rumo definido ...
otimo blog, otimo texto

http://lhmartins.blogspot.com/

Érik Perin disse...

essa letras do link "comentarios"
ta muito pequena....

muito legal o seu blog...
vai la no meu...

www.h4ck3rik.com

Byers disse...

Cara, vc eh bem excentrico

danii disse...

primeiramente parabens pelo texto...
e eu ja tava pensando que como de costume ele teria extraido o ruído de seu mundo paralelo..


www.daniilopes.blogspot.com

Anônimo disse...

nOoossa parabéns mesmo pelo texto muito bom!!!

Literatura de primeira qualidade

Visita lá:
http://reflexxando.blogspot.com/

Leandro R. disse...

Curti Bagarai o texto! Massa msmo!


http://semtosquices.blogspot.com/

Wander Veroni Maia disse...

Olá!

Tô aqui lendo os seus textos e comecei a fazer uma referência com o jornalismo e literatura. A descrição, independente se o gênero literário pede mais detalhes, a narrativa é uma característica de ambos.

Seu texto é muito rico em descrição - o que revela bons elementos para um roteiro audiovisual.

Parabéns pela qualidade do blog!

Abcs,

=]
__________________________
http://cafecomnoticias.blogspot.com

Henry Barros disse...

É, cada um tem opnião propria diante uma obra literaria.^^
muito bom texto ^^