sábado, 5 de julho de 2008

Conto: Uma Síncope No Existir. Parte 2

Não é nem um pouco significante nessa narração o momento e o lugar onde eu a conheci; não tentarei entrar em uma historieta que não tenho muito interesse em me concentrar agora. Basta dizer que ela surpreendia, era surpreendente. Com essa palavra, acho que consigo aproximar o que eu senti; o que ela representou... Não posso desvirtuar: ainda representa. Essa é definitivamente a expressão que abrange a minha ânsia de determinar o choque de clarividência causado por ela naquele meu desequilíbrio que me perseguia de um modo já insuportável. Sim, foi determinante o momento que a conheci. Decisivo até...

Aquele seu jeitinho gracioso, as crenças empolgantes no que dizia, os seus princípios, os fundamentos dos seus valores, que ela afirmava com insistência como se tentando convencer-me e a si mesma de que o modo que ela pensava e concebia as coisas era exatamente aquele; tudo isso guiavam-na a tomar atitudes diante dos fatos do mundo que me deixaram profundamente intrigado; autêntica e original, essas qualidades em uma garota, quando não assustam, deixam a gente nas mãos delas; só desse tipo de garota.

Soltava a imaginação quando olhava para ela, podia notar uma fisionomia mística, meio que folclórica até; isso: Folclórica regional! Bem adverso ao ponto de vista pessoal que eu estava acostumado a empregar ao admirar os rostos das pessoas. Tinha todo um ar diferenciado. Nem sei explicar o que me fez pensar assim: alguém sabe explicar essas coisas? Distinto eram aqueles traços meio embaraçosos de se descrever; ah, descrevê-la é um desafio e tanto! Antonímia ao que estava se abatendo sobre mim até então, ela agia com leveza, era leve como uma pluma, uma pena transparente; com facilidade era possível contemplá-la: eu a contemplava com fervor. Essas suas características irradiavam a mim. Era uma experiência única vê-la com toda aquela graciosidade; um fato que ultrapassou brutalmente as limitações do meu espírito: de repente, desesperanças tornaram-se tão vulgares e convencionais...

  Não poderia deixar de descrevê-la além de minhas impressões iniciais; não me sentiria bem tratando disso como se fosse devaneios de um apaixonado desvairado. Não faço o tipo romântico demasiado, ao menos nunca me enxerguei dessa maneira, pra falar a verdade nem gosto de me imaginar dessa forma, portanto, no transcorrer de nossas conversas, vi o que realmente era ela: Uma vida maculada ela aparentava ter; ferida que ainda sangrava n’alma retalhada por sofrimentos passados que retornavam sem aviso prévio fazendo arder as seqüelas mais íntimas; parecia encoberta de mazelas pequenas e freqüentes, insistentes mutilavam e destruíam, mas mesmo se vendo nessas condições, conseguia ainda filtrá-las como que por um funil eficiente o qual todos sem dúvidas gostaríamos de possuir, animada toda ela por um fino humor que alumiava o sorriso discreto e gigante. São destroços que usa como subsídios propulsores desse empenho artístico traduzido e revelado em relatos pessoais ricos em contornos hipnóticos: pois suas histórias enriquecidas com seu talento de persuadir eram sim hipnóticas. Permanece sempre na eternidade do momento, um momento infindável, representando e descrevendo todos os detalhismos que embelezam suas experiências, sob uma óptica que lhes garante brilho ofuscante: o seu ponto de vista das coisas. Fazia dela um auto-retrato manipulador. Definitivamente essa pomposidade toda é requerida para apresentar-la. As mazelas vividas outrora não a abatiam: ela não podia esconder a sua firmeza feminina. O seu vigor feminino. Que vida teria tido? Em que se baseavam aqueles comportamentos novos a mim? Como teria vivido a sua vida? Nunca soube e, provavelmente nunca saberei. Acidentada, fazia das moléstias serpentinas. Sofrida era, mas com ares em constante reconstrução.

Caráter marcante, remodelável, inconstante, ambígua, personalidade múltipla, mil mulheres em uma, uma mulher por milhares, que efeito fulminante! Um redemoinho de vetores sentimentais; meio dominadora meio dominada; reconhecia nas dimensões do seu corpo todo o reflexo da sexualidade incensurável de uma humanidade que se multiplica com facilidade... Sim, multiplica-se tão fácil.

Sustentava mesmo era uma alma de artista. Seus interesses emotivos, perceptivos e ideários eram estimulados na minha consciência quando com ela falava sobre qualquer coisa. Com ela, tudo, até o mais banal na vida ganhava um torno de instância inafrontáveis; deliciosos de se desafiar. Aqueles movimentos gesticulados, o jeitinho irresistível, as fisionomias expressivas, apesar de não ser lá uma beldade, envolvia de modo que era tão normal para ela causar esses efeitos em quem com ela fala; como se fosse acostumada a vislumbrarem-na com admiração nesses momentos, era o que ela gostava de ser: vislumbrada com admiração. Um olhar charmoso que era um buraco negro frenético. Suga as atenções! Ah sim, ela tinha essa certeza! Ela sabia quem era o que era e do que era capaz.

Um comentário:

Grupo Saber Viver disse...

Muito bom texto, exelente descrição!
http://gruposaberviver.blogspot.com/